- Lari Pestana
- 17 de nov. de 2020
- 4 min de leitura
E eles têm que mudar mesmo?
Esses dias, recebi da minha mãe um texto que muita gente por aqui já deve ter lido. Um texto que fala sobre o desgosto que alguns pais têm por terem dado “tantas oportunidades, celulares tops, carros […]” aos seus filhos… que acabaram por começar a “agitar a bandeira do comunismo de Marx”.
Eu simplesmente não entendo.
Me educaram a cumprimentar desde o faxineiro até o chefe de uma empresa. A tratar todos com respeito, porque ninguém é melhor que ninguém. Me ensinaram que eu mesma não sou melhor que ninguém. Que eu preciso ouvir e entender que cada pessoa tem sua história. Cada pessoa tem seu ponto de vista. E cada pessoa deve ser tratada bem, deve ser tratada como ser humano, independente de sua etnia, classe social, sexualidade ou qualquer outra coisa. Me ensinaram a ter valores morais e éticos.
Também me ensinaram que meu corpo é só meu e que ninguém tem o direito de abusar dele, de qualquer forma que seja. Que eu tenho que me prevenir, não criando uma situação favorável a algo ruim, mas que, caso aconteça, eu devo denunciar, ir atrás de justiça. Fazer um escândalo. Porque é necessário.
Também me ensinaram a ter amor pelo próximo. Me ensinaram a ajudar sempre que possível. Me instruíram a doar bens materiais, mas também amor, carinho e atenção a quem precisasse, Me ensinaram a fazer o bem sem olhar a quem. E me ensinaram que não sou ninguém pra julgar, que quem faz isso é a força divina (aquela que os cristãos chamam de Deus).
Também me ensinaram coisas bem pontuais. Me ensinaram a respeitar o coleguinha gay e a parente lésbica. Me ensinaram que temos que aceitar as diferenças, que elas existem e estão aí para mostrar que nenhum ser humano é especial, ao mesmo tempo que todos o são. Já que cada um é diferente do outro à sua maneira.
Me explicaram que aquele coleguinha que às vezes ia com a mesma roupa todos os dias da semana talvez não tivesse as mesmas chances que eu tive na vida e, por isso, era importante que eu o respeitasse e entendesse que a situação dele era diferente da minha. Mas que ele também merecia ter amigos, como qualquer outra pessoa.
Me ensinaram que dinheiro não é tudo. Que é bom, mas não é tudo.
Me mostraram pessoas abastadas em bens materiais, mas pobres de amor pelo próximo. E me mostraram moradores de rua que dariam a própria roupa do corpo para cuidar de um animalzinho machucado na rua, sem nem pensar duas vezes.
Me ensinaram também que é saudável escutar as pessoas e aprender com elas, mas que também é importante pensar por si mesmo. Me ensinaram que os pais são modelos a serem seguidos, mas que pai nenhum quer que seu filho seja uma cópia. Na verdade, sempre querem que os filhos sejam melhores.
E aí eu cresci.
E aí eu aprendi que esses ensinamentos às vezes mudam. E às vezes não significam muita coisa para quem os ensinou.
Porque eu respeito a comunidade LGBT. Eu entendo que negros passam dificuldade e que pessoas com menos oportunidades que eu existem no mundo. Entendo também que animais sofrem todos os dias por conta de maus tratos que alguns seres humanos fazem questão de fazer, só por se sentirem superiores. Eu sei também que mulheres sofrem abusos de todas as formas diariamente, e seguem sendo vítimas de crimes inacreditáveis, e eu sou uma delas e posso passar por isso a qualquer momento. Sei também que deficientes precisam de auxílio e de políticas públicas que garantam sua inclusão na sociedade.
Na verdade, eu aprendi muito bem. Eu aprendi que todos são iguais perante a Lei, e que assim devem ser tratados.
Mas hoje, quando demonstro qualquer tipo de apoio a essas e outras causas, sou chamada de burra. De comunista. Sou questionada de todas as formas, não acreditam mais que fui bem criada. Se perguntam onde erraram. Dizem que sou petista. Logo eu, que nunca votei no tal partido vermelho…
Eu queria saber quando foi que pensar além do próprio umbigo virou comunismo. Eu queria saber onde estão as pessoas que acompanharam meu crescimento, que ouviam rock, MPB, rap comigo, elogiavam as letras da músicas que eu ouvia e diziam acreditar no que estava sendo dito.
Cadê aquela sensação de segurança, de crença num futuro melhor? Onde está a tolerância em relação a pensamentos divergentes? Se aprendi tudo isso, foi graças à ótima educação que tive em casa. Foram valores passados dentro do meu lar. E eu amo ser quem eu sou e não tenho vergonha alguma disso. O que me dói é ver pessoas que acompanharam meu crescimento, contribuíram com ele, me educaram, me garantiram a ótima educação citada no tal texto repassado por WhatsApp… me xingando, desacreditando de mim. Achando que estou perdida, que sofri lavagem cerebral. Isso magoa e muito.
Se você não acredita mais nos ensinamentos repassados, sinto muito. Mas fui criada assim e ainda amo muito a forma como penso. Sou sensível, emotiva e bastante sonhadora. E espero seguir assim pelo resto da minha vida. Por tudo isso e muito mais, sou resistência. E sigo lutando pelos meus, seus e pelos direitos de todos aqueles que conheço e também daqueles desconheço. A luta não é minha? Fui ensinada a combater injustiça, seja ela qual for.
O ódio deve ser rebatido com amor. Isso eu aprendi muito bem.
~ Lari Pestana - 27/10/2018